AO 16 DE ABRIL DE 1987
Levo 27 anos para escrever sobre
aquele 16 de abril de 1987... Quinta-feira Santa, como se denomina. Semana Santa
de 87. Não são vinte e sete dias, vinte e sete semanas, nem vinte e sete meses...
São anos, longos vinte e sete anos. E tudo me parece recente, porque
permanente. Porque está coberto de perpetuidade.
Ao contrário do que se costuma dizer,
eu estava no lugar certo, na hora certa... Porque tinha de ser. Porque minha
sina poética talvez tenha encarnado definitivamente naquela noite tão repleta
de misticismo. Que voz foi aquela que ouvi em mim? Quem determinou aquele homem
cruzar literalmente a minha frente sem que eu lhe visse o rosto, sem que lhe
visse os olhos de noite eterna, sem que percebesse sequestrada a minha alma
para sempre?
Depois daquela hora nunca mais meus dias
amanheceram... Tornei-me mais crepuscular do que já fora até aquela data. Contudo
não trouxe essa noite permanente aos meus dias nenhuma sombra, mas uma
voluptuosidade serena, mística, vital a minha parca existência. Custa-me escrever, mas a lembrança permanece
acesa como uma chama inextinguível, escrever é só um sopro de alento ao
coração, se é que ainda o tenho. A urdidura da vida teceu um destino aos meus
passos, foi precisa e inexorável... Definitivamente, não entramos na vida de
ninguém sem um propósito. Só lastimo amargamente que alguns passem tão breve.
Mas em mim o que rasgou no peito e fendeu a alma não ficou no calendário num 16
de abril tão distante, foi cesura que alcançou meu cerne, minha escrita, minha
mortalidade eterna. Meu para sempre.