INTERIORANA
A minha alma interiorana olhava da janela e andava nas tardes por entre as bananeiras,
caçava pardais para registrar seu
trilado... A rua terminava na esquina. E a cidade na estrada retilínea que
comia aquele taquinho de agreste e
sumia-se na alva areia, às vezes poeira, às vezes barro vermelho, corria,
ganhava o sertão... No agreste criei raízes num fevereiro de luz. Mas
impulsionaram minha alma de quintais para a selvageria dos prédios, carnaúbas
cegas espetando amplidões, e aos ouvidos misturaram-se buzinas, motores e a
ferrugem das vidas fora dos trilhos. O azáfama por todos os lados. Meu coração
virou um selvagem urbano. Contaminou-se de zumbidos e de água escura, ventos
aquosos, marés tormentosas e agudas. Vazantes de sombras e lixo... O sol tatuou
na pele muda as cores do dia. Meu ventre lançou duas sementes em sua tirania
acesa, antiga, santa e profana. Abri de minhas distâncias entre as bananeiras à
sombra das romãs tranquilas da memória, minha tríade bendita, e pelas janelas
assomou o Frevo, o poema de Carlos Pena Filho, as almas que andaram no cais,
nas pontes, na Rua da Aurora. Eu quis não me fazer vencida. Eu quis fugir.
Inútil foi. Minhas moléculas são feitas de palavras. Nesse contexto não sou
dona de mim... De mim a distância não me visito. As bananeiras estão quedas. O
cheiro de tempo caminhando moroso nas calçadas, já não alcanço. Sou cabocla
domada no burburinho urbano. Vencida aos rés do chão dou-me forma plena.
Ilumino minha retina e reconheço no espelho minha alma de barro, de flor de
mandacaru e de poeira. Sou uma sertaneja de alma velha, de alma poética,
perdida no caos incivilizado da cidade bela e atroz.
( Jacqueline Torres )